(crônica nova)
por Luciana Pinsky
Aspecto delicioso. Recheio de
amêndoa, com cor de perdição. Massa brilhante, convidativa. Confesso, fiquei
balançada pela trufa que se insinuava logo ao lado. Afinal, no Olimpo dos
doces, chocolate é Zeus. Mas desta vez optei pela dionisíaca torta de amêndoas.
– Boa pedida. Ela é a
especialidade da casa.
Na primeira mordida admirei a
textura do recheio. Foi a massa, porém, que me surpreendeu.
– Vai uma dose de pinga que
faz toda a diferença. – me confidenciou a moça enquanto me servia água.
E segui para a segunda
mordida, certa que aquela tortinha faria a minha tarde mais feliz. O sabor
inicial explodiu até o céu da boca. Mas bateu certa culpa: há tempos não comia
doce à luz do dia, ainda queria expurgar dois intrusos quilos que se instalaram
em meus quadris desde um feriado gastronômico na casa de um amigo cozinheiro.
A terceira mordida foi com
vontade: “primeiro o prazer, depois a culpa.”, lembrei do conselho nada
ortodoxo de meu pai. E minha boca entorpecida pelo doce agradeceu meu
progenitor.
A quarta mordida, afobada,
não teve gosto, só hábito. Tal qual cigarro com café depois do almoço para
aqueles que fumam e tomam café.
Água. Boca limpa. Com a
derradeira mordida veio um amargor imprevisível. Mas como amêndoa, açúcar,
manteiga, farinha podem amargar uma boca? Pois foi o que aconteceu. O prazer
inicial deu lugar a sensações desagradavelmente familiares. Estômago um tanto
embrulhado. Leve inchaço. Esôfago afogueado e boca, putz, boca inerte.
E, assim, me deparo com uma
intolerância que jamais imaginei me antigir.
(Quer ouvir a crônica? É só clicar no link abaixo. Desta vez há uma participação especial no fim)
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