segunda-feira, 15 de junho de 2009

Revista da Folha


Amores paulistanos

“Apaixonar-se vendo o mar tem outro sabor”. Isso me escreveu – ainda na era das cartas – uma amiga carioca, que me matou de inveja ao detalhar-me o encontro dela, adolescente, com um moço também adolescente em pleno Arpoador.

“Será que São Paulo não serve para o amor?”, pensava eu em pleno 875 C Santa Cruz, ônibus que me levava de casa ao clube.

Minha inveja desabou quando um querido amigo contou-me da sua paixão iniciada em um ponto de ônibus. Todo dia à uma da tarde ele saia da escola para o trabalho. E a moça estava lá. Ele ia para Pinheiros e ela para Vila Mariana. Até os respectivos ônibus passarem, eles engatavam uma conversa rápida. Mas um dia desistiram de Pinheiros e da Vila Mariana e foram tomar um sorvete. E assim começou o primeiro amor da vida dele.

E para seguirmos nos meios de transporte, conto de outro amigo que ficou tão impressionado com uma moça que viu no metrô Sumaré, que teve certeza que encontrara a mulher da vida dele. Branquinha quase pálida, de cabelos negros e olhos perdidos pela janela. Quando ele ainda estava tomando coragem para puxar conversa, ela saltou na Consolação e ele seguiu desolado ao Paraíso. Uma vez por semana ele refaz a linha exatamente na mesma hora para tentar encontrá-la. Quem sabe?

E ainda temos os amores de resgate. Já vivendo em Salvador, testemunhei uma história clichê: ela apaixonou-se por um folião que conheceu em pleno ensaio do Olodum. Ela morava lá. Ele aqui. Amor à distância não dá certo e ela queria mesmo uma boa desculpa para voltar a morar em São Paulo, já que estava morrendo de saudades do frio no inverno. Está aqui até hoje.

Há vários clássicos de faculdade, mas nenhum supera o meu amigo reincidente. Ele se apaixonou em uma na sala de aula comprida e estreita no primeiro ano da graduação de uma unidade da USP. Namorou. Casou. Separou. Muitos anos depois, na mesmíssima sala, agora pós-graduando, apaixonou-se de novo. Namorou. Casou. Permanece.

E como paulistano depois dos 30 anos começa a ficar vaidoso, meu outro amigo foi fazer ginástica para perder a barriga. Se ele foi bem-sucedido no intuito eu não sei, mas logo sua treinadora ganhou uma barriguinha, que virou barrigão e que virou um bebezão.

Com tantas inspirações ao meu redor, não foi à toa que ao pensar em um cenário para Jussara e Francisco – os personagens do meu romance Sujeito oculto e demais graças do amor, me veio o centro, a escadaria da Sé, onde São Paulo é tão cruamente São Paulo. Foi lá que, de certa forma, tudo começou para eles.

São Paulo é, sim, um ótimo ambiente para cultivar o amor. Apaixonar-se no Arpoador é fácil, difícil é cair de amores em plena avenida Paulista. E como diz aquela amiga que voltou para cá: “O amor que resiste em São Paulo supera tudo.”
E nem eu escapei do clichê: depois de algumas histórias que começaram em carros – e olhe que gosto mesmo é de bicicleta – foi em um restaurante japonês que vi a minha sorte mudar.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

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resenha no Estado de Minas

Resenha publicada no Estado de Minas. Achei muito interessante. E você, concorda com a leitura da repórter Silvia Laporte?


Estado de Minas

Contos de paixão mal resolvida

SILVIA LAPORTE

Quem gosta de ler, às vezes, se pega pensando até que ponto um autor de ficção está falando de seus personagens, ou de si mesmo, em seus escritos. Em Sujeito oculto e as demais graças do amor (editora Re­cord), seu romance de estréia, a jor­nalista Luciana Pinsky brinca com essa idéia. Num dia de janeiro de 2005, o professor Francisco recebe um envelope contendo três contos e um bilhete que diz o seguinte: "Por favor, dê sua opinião. Meu e­mail é ola@tudobem.com e para mim é muito importante um retor­no seu. Prefiro o anonimato, não por timidez, mas por querer que sua avaliação seja feita exclusivamente com base nos textos (...)".

Inicia-se assim um diálogo que, ao longo das 95 páginas do livro, se de­senvolve em planos distintos - a rea­lidade literária e a ficção dentro da ficção. "Você também escreve para que seus personagens façam o que você não consegue?", pergunta Fran­cisco, a certa altura da narrativa, ao que Jussara responde: "De jeito ne­nhum. Prefiro não delegar vida por aí". Passado e presente também se alternam enquanto Francisco e o autor anônimo, que logo ele desco­bre ser uma mulher, Jussara, tentam acertar suas contas emocionais pen­dentes. O estilo moderno e meio fragmentado da autora e a intensidade dos sentimentos e emoções dos persona­gens fazem, no entanto, um curioso con­traponto com o racionalismo intelectual dos dois protagonistas, que incubam uma paixão mal resolvida desde que ela, . aos 15 anos, foi aluna dele.

RETRATO – É por meio dos contos que envia a Francisco que Jussara vai mostrando o que realmente sente. Pelo menos na pri­meira metade do livro, os e-mails que trocam são mais objetivos do que reveladores. Pouco antes de ele descobrir a sua identidade, embora já intuísse que o tal autor anônimo era uma mulher, ela lhe envia um conto. "A marvada", que fala do namoro entre um rapaz de 20 anos que ainda mora com a mãe e uma balzaquiana. E é usando a voz des­sa personagem que Jussara coloca um espelho diante de Francisco:
"Eu só conseguia pensar naquela professora nos Estados Unidos que foi presa por namorar um aluno. Não queria ser condenada por atentado ao pudor, sedução de menores ou o equi­valente". Quando, no passado, se per­mitia pensar na bela aluna adolescen­te de inteligência aguda e não-con­vencional. era mais ou menos assim que Francisco se sentia.

Moacyr Scliar escreve, na orelha do li­vro, que o livro de Luciana "é mais que um texto de ficção. é um retrato de mui­tos dos jovens da nossa classe média (...), cultos, informados, sofisticados, capazes de interpretar seus sentimentos, capazes de pensar sobre suas vidas". O que não significa, no entanto, um final feliz. A ri­gor, a história de Francisco e Jussara com suas muitas idas e vindas, não tem um desfecho. Como ocorre no mundo de verdade, quando os sentimentos são for­tes como os dos dois, uma paixão não se supera. A vida continua, mas a memória fica, tanto do que realmente foi quanto do que se sonhou que poderia ter sido.