segunda-feira, 15 de janeiro de 2018


Palito de dente




(crônica nova)

por Luciana Pinsky


Sempre quis partir. Aprender outra cultura, mudar perspectivas, sair do conforto da inércia. Gosto do Brasil e tudo mais, mas sou do mundo.
Então quando o vi foi empatia instantânea. Olhos claros – sempre achei que olhos azuis fazem ótima companhia aos meus, jabuticabas. Loiro, andar decidido, amor pela estrada – conhece muito mais países do que eu, pois lhe bastam duas horas de carro para atravessar alguma fronteira. Poxa, em duas horas, a depender do trânsito, ainda nem consegui sair de São Paulo...
Mas o melhor ainda estava por vir. Inteligente, gosta de ler e nutre certo carinho por mim. Digo “certo” porque se já é difícil decifrar homens em geral, o que dizer de um cara cuja língua me é uma total incógnita? – sei que água é voda, fora isso...
Claro, conversamos em inglês, mas debaixo de um segundo idioma fluente bate um coração repleto de signos intraduzíveis. Como chegarei lá? Como seria nosso dia a dia? Será que depois de quase três décadas de vida ainda consigo adotar nova língua? Por sinal, será que ele beija bem?
Era o que eu pensava na mesa do restaurante,  depois de devorar um belo espaguete aos frutos do mar. Fazia três dias que conhecera Luka subindo uma montanha no gigantesco parque nacional e desde então passamos a viajar juntos. Como amigos. Mas, será?
Então ele pede à garçonete que, por favor, traga palitos. Pega um, começa a limpar os dentes enquanto discute alegremente comigo os planos para o dia seguinte.
Olhei para os lados, falava com ele sem encará-lo, mas o fato estava lá, escancarado. Ele começou lá atrás nos molares, com vontade, foi se aproximando dos pré-molares, dos caninos até os incisivos. Fazia a limpeza de forma apaixonada, detalhada, minuciosa e eu ali, falando de Piran, de Triglav, de Bled?
Quando ele finalmente terminou o serviço – cinco minutos, talvez, mas para mim o tempo de uma vida inteira que não ocorrerá mais – manteve o palito entre os lábios, mascando a madeira com vontade, levando com a língua de um lado para o outro da boca.
A viagem foi divertida, mas, definitivamente, Ljubljana só a passeio.



(Ilustração: Thomás Camargo Coutinho - http://www.flickr.com/photos/thomastaipa/)