quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Yom Kippur


(crônica nova)

Por Luciana Pinsky

Nesta hora, outros fossem os tempos, eu procuraria você. Contaria das aflições que me perseguem. O medo do passo, dos passos que darei. Da atração ao precipício, que me instiga. Eu, aventureira nata. Você me entenderia, você que me circulou a vida toda saberia entender mais esse medo, entre tantos que já tive. Exceto que você foi meu precipício, que segui, que pulei, que retratei. Exceto que você ficou na margem, olhando o meu salto, apreciando minha coragem e dizendo: “fique bem”.

Costelas, ossos, nervos em frangalhos. Os profissionais disseram: “você vai ficar bem”. Eu não tinha tanta certeza, mas, de fato, fiquei. Com proibições aqui e ali, com certos traumas antes inexistentes, é certo, mas bem. Bastante bem. E ao pular no precipício – e ver que você me via, mas não vinha – eu sabia que jamais, nunca mais, poderia contar. Jamais teria o seu olhar atento, sua visão diferente, seu conselho amigo. Pois amigo você jamais foi.

Pensando bem, é mais do que justo. Se você só pôde contar suas aflições por um mínimo período, por que eu poderia enchê-lo de dúvidas pela vida afora? Se você me teve em soneto, por que eu poderia tê-lo em epopeia? É justo, mas nesta hora do passo, da aflição, do caminho, dá uma saudade danada do você que eu criei para mim. Porém, do você de (muita) carne e (pouco) osso só desejo que fique bem. Longe.