(crônica nova)
por Luciana Pinsky
Por dias, o menino trabalhou
em Emília. A garrafa pet, que outrora abrigara água de coco, agora era um
parrudo tronco. Antes mero receptáculo, agora coração. As tampinhas faziam as
vezes de pés e mãos, ligados ao tronco-exPET por barbantes. Uma bola de isopor
insossa torna-se a cabeça cheia de personalidade, com cabelo de lã. Olhos,
nariz e boca traçados a canetinha. Antes, entulho, agora boneca. Antes, quase
lixo, agora a companheira do menino. Antes, quase nada; agora, quase tudo.
Por meses, o homem notou
Lara, jeans, camiseta, igual a tantas, boca, carne, osso, pele. Conversaram.
Ele indicou um livro, ela leu. E leu todos do mesmo autor do acervo da biblioteca
do bairro. Ele mandou uma música, ela ouviu. E passou semanas conhecendo tudo o
que aquela cantora gravara. Ele falou que fora campeão de natação, ela voltou às
piscinas. Ele comentou que adorava a sensação de liberdade da bicicleta, ela
passou a ir pedalando ao trabalho.
O menino fez Emília. Não venha
com raquéis, marias, julias ou qualquer outra boneca, com nome ou não. Ele quer
Emília. Pois Emília é... Emília. A Emília dele. Não tem outra Emília no mundo,
por mais que garrafa pet, lã, barbante e tampinha haja aos montes.
Para o homem, Lara já não era
igual a tantas, pele, carne, boca, ossos. Era a pele de Lara, a boca de Lara,
os ossos de Lara, a boca – ah, a boca – de Lara. Era tudo dela e por ser ela,
era dele. Deixou de ver julias, gabrielas, alices, isabelas, jeans, camiseta,
carne. Ele quer Lara porque ela é... Lara. A Lara que ele forjou. Que será
sempre dele não importa o caminho que seguirem, porque a Lara dele só existe para
ele.
Ele pensa que molda sua Lara,
assim como construíra sua Emília. Justamente o contrário: Emília e Lara que o criaram.
Um comentário:
Muito lindo!
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