(crônica nova)
por Luciana Pinsky
Tenta, em vão, passar o troço
verde em formato de um pequeno osso pelo buraco do pentágono vermelho.
Frustrado, acha que o brinquedo não presta. Ou ele que não presta? Ou talvez a
mamãe, que não soube ensiná-lo direto a passar o troço para o outro lado sem
que se desmanchasse.
Se juntar todas as peças
muito direitinho dá para formar uma bola. Mas tem de passar a tal peça verde de
borracha pela vermelha, que serve de base.
Os hexágonos amarelos, um pouco maiores, também precisam ser devidamente
utilizados. As peças verdes vão juntando as vermelhas e amarelas que, se
posicionadas corretamente, se curvam até formarem a bola. Servirá para chutar?
Não, mas pouco importa, será a vitória da perseverança, projeto concluído em
tão tenra idade.
Mas para isso a bendita pecinha verde tem de passar pela vermelha. E muitas vezes, não uma, nem duas, nem três. Serão infinitas para ele? Será que o infinito dele é o mesmo que o meu? Como conceber algo que não acaba? Tempo, talvez? Espaço? Mas se não acaba como caberia em meu pensamento? Voltemos, porém, às concretíssimas peças amarelas, vermelhas e verdes.
- Quem me ajuda?
Ah, menino, é tanto troço que
tem de ir de um lado para o outro das coisas o tempo todo. São espaços exíguos,
peças grandes, que devem passar intactas, mas nunca passam, pois experiência
marca a gente.
E ele choraminga:
- Não consigo.
- Olhe, meu amor, tente
dobrar assim, fazer a força assim e passa.
A combinação de força certa com destreza é arte para poucos.
Ah, querido, é difícil mesmo. Saber quando bater, quando desviar, quando forçar, quando ceder. Ceder sem perder. Forçar sem rasgar. E lá vai ele de novo, algumas peças perecem. Mas ele insiste, pede novo auxílio; os voluntários são reprovados: um faz para ele, outro rasga igual. Volto à cena.
- Está vendo essa ponta da
pecinha verde? Tem de dobrar bem dobradinha. Assim, isso. Agora empurre pelo
buraco com a outra mão e não deixe as pontas desdobrarem. Isso, muito bom.
- Passou? Passou!
Essa passou, meu menino. Mas
tantas e tantas ainda irão cobrar sua habilidade. A calma para analisar a
situação, o planejamento, a entrega à tarefa. Saber agir no momento certo, da
forma correta, sem causar danos (ou poucos danos). Conhecer toda a força que
possui para saber o quanto dela utilizar. Descobrir formas diferentes de agir.
Quisera eu ter aprendido a passar todas as peças da vida pelas incontáveis
bases que não param de aparecer.
Ele ainda passa, sozinho,
dois “ossinhos” verdes, unindo um pentágono vermelho a um hexágono amarelo até
que aquilo perca completamente a graça. A bola perfeita? Talvez na próxima.
(a segunda crônica da trilogia sobre o tempo virá, prometo, em breve)
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