(crônica nova - última da trilogia sobre o tempo)
por
Luciana Pinsky
Não foi assim de caso
pensado. Toquei seu braço meio por acaso. Depois o acaso passou e o braço
ficou. Mas comecemos pelo começo. Como se eu soubesse quando o começo começou.
Não sei. A memória do corpo é
mais forte que a da mente. Só que ela é ruim de datas.
Palavras? Não registrei. Era
para ser coisa rápida. Sempre compromissados, nós. Mas o tempo tem seus
caprichos. Como ela.
Apoio o pé na parede. Espero.
Quando passei eu a esperá-la?
Ao vê-la, os dentes procuram
o lábio. Esses lábios que já. Os mesmos dentes que.
A partir daí dentes e lábios
fizeram o que dentes e lábios devem fazer. Foi um blábláblá sem fim. Mas se me
perguntar o que falamos, não sei. Futebol talvez. Algum livro que nos ocupou a
noite. Banalidades sobre a política atual. E valas, diversas, o ar limpo almejado.
Isso, valas e ar, certamente.
Minha mão no braço dela.
Choque. Será estremecimento? Ou apenas resultado da secura de inverno?
A memória do corpo é mais forte que a do espírito. Só que ela se confunde. Por vezes, intencionalmente.
O braço eletrizado move-se
para longe de minha mão: um gesto pretensamente trivial. Como nossa conversa,
como meu toque, como nosso encontro. Como quase tudo na vida, que a gente acha
que é assim mesmo por capricho do tal “deus sonso e ladrão”, mas que nós mesmos
estamos cavando com nossos pés, nossas mãos e demais recursos que se fizerem
presentes. Sei, divago. Mas o que você quer de mim? O que quer?
- Boa pergunta. O que você
quer?...
É só o que lembro, é só o que
consigo dizer hoje. E também que a memória do corpo é mais forte que a da alma.
E ela é mortalmente sedutora.