quinta-feira, 10 de maio de 2018

Quanto tempo tenho?


(crônica nova - 2ª da trilogia sobre o tempo)
por Luciana Pinsky

Dormi adolescente e acordei velhinha, me perguntando quanto tempo mais? Quanto tempo até que o branco dos cabelos invada minha alma, até que as rugas ao redor dos meus olhos finalmente me ceguem? Quanto tempo com sede? Quanto tempo para escrever, para ver seu sorriso e relevar seu ranger de dentes? Quanto tempo ainda pensando, comendo, tomando banho? Querendo saber do sol, preocupada com a chuva? Quanto tempo para ler, aprender, explicar, me entender? Quanto tempo tornando textos, livros; gente, autor; ideias, páginas? Quanto tempo respirando sem adrenalina?

Um dia a mais é um dia a menos.

Tempo fugidio, que desperdiço como já fui desperdiçada por aí. Um minuto não é nada, uma hora não é nada, um dia nada é, uma semana, um ano, uma década que se vai e o que fica? Quem fica em mim? O que fica de mim? Onde permaneço? Permaneço?

Quanto tempo fingindo. Fingindo não fingir. Quanto tempo fugindo, quanto tempo perdido em bomba de chocolate (uma obsessão). Todo tempo é pouco para ver o mar, para estar no mar, para ouvir o mar, para me encantar com o mar. Quanto tempo para amar, só amar. Quanto tempo para fazer novos amigos porque os velhos já me conhecem errado. Quanto tempo para conseguir ser outra, outras.  Quanto tempo para sentir o que nunca senti. O que existe ainda para ser sentido?

Quanto tempo até meus olhos já não procurarem, até minhas pernas não me bastarem; até não sobrar nada daquela criança, a não ser o ciclo das samambaias decorado, que permanece sob meus protestos?

Vou calcular todas as minhas horas porque não quero sorrir porque é educado, beijar porque é o certo, comer sem vontade. Não. O tempo que me resta é meu, não seu. Para me perder em você, não de você. Meu tempo, meu tempo, Meu Tempo.

Quanto tempo ainda com vontade, ainda com coragem, ainda à procura? Quero vida. Quero pulmões em operação normal, pernas trabalhando, bicicleta. É isso. O tempo que me resta inspiro e expiro fluentemente; tão fluentemente que nem noto inspiração e expiração. Quando não tiver mais esse tempo, nem esse tempo, meus meninos saberão: já não serei eu. Meu tempo, ele sim, expirou. 


(Ilustração: Thomás Camargo Coutinho - http://www.flickr.com/photos/thomastaipa/)