terça-feira, 10 de abril de 2018

Em busca da bola perfeita


(crônica nova) 

por Luciana Pinsky


Tenta, em vão, passar o troço verde em formato de um pequeno osso pelo buraco do pentágono vermelho. Frustrado, acha que o brinquedo não presta. Ou ele que não presta? Ou talvez a mamãe, que não soube ensiná-lo direto a passar o troço para o outro lado sem que se desmanchasse.

Se juntar todas as peças muito direitinho dá para formar uma bola. Mas tem de passar a tal peça verde de borracha pela vermelha, que serve de base.  Os hexágonos amarelos, um pouco maiores, também precisam ser devidamente utilizados. As peças verdes vão juntando as vermelhas e amarelas que, se posicionadas corretamente, se curvam até formarem a bola. Servirá para chutar? Não, mas pouco importa, será a vitória da perseverança, projeto concluído em tão tenra idade.

Mas para isso a bendita pecinha verde tem de passar pela vermelha. E muitas vezes, não uma, nem duas, nem três. Serão infinitas para ele? Será que o infinito dele é o mesmo que o meu? Como conceber algo que não acaba? Tempo, talvez? Espaço? Mas se não acaba como caberia em meu pensamento? Voltemos, porém, às concretíssimas peças amarelas, vermelhas e verdes.

- Quem me ajuda?

Ah, menino, é tanto troço que tem de ir de um lado para o outro das coisas o tempo todo. São espaços exíguos, peças grandes, que devem passar intactas, mas nunca passam, pois experiência marca a gente.

E ele choraminga:
- Não consigo.
- Olhe, meu amor, tente dobrar assim, fazer a força assim e passa.

A combinação de força certa com destreza é arte para poucos.

Ah, querido, é difícil mesmo. Saber quando bater, quando desviar, quando forçar, quando ceder. Ceder sem perder. Forçar sem rasgar. E lá vai ele de novo, algumas peças perecem. Mas ele insiste, pede novo auxílio; os voluntários são reprovados: um faz para ele, outro rasga igual. Volto à cena.

- Está vendo essa ponta da pecinha verde? Tem de dobrar bem dobradinha. Assim, isso. Agora empurre pelo buraco com a outra mão e não deixe as pontas desdobrarem. Isso, muito bom.

- Passou? Passou!

Essa passou, meu menino. Mas tantas e tantas ainda irão cobrar sua habilidade. A calma para analisar a situação, o planejamento, a entrega à tarefa. Saber agir no momento certo, da forma correta, sem causar danos (ou poucos danos). Conhecer toda a força que possui para saber o quanto dela utilizar. Descobrir formas diferentes de agir. Quisera eu ter aprendido a passar todas as peças da vida pelas incontáveis bases que não param de aparecer.


Ele ainda passa, sozinho, dois “ossinhos” verdes, unindo um pentágono vermelho a um hexágono amarelo até que aquilo perca completamente a graça. A bola perfeita? Talvez  na próxima.

(a segunda crônica da trilogia sobre o tempo virá, prometo, em breve)