(crônica nova - 1ª da trilogia sobre o tempo)
por
Luciana Pinsky
Queria que você me desse só o tempo jogado fora. Recolheria
na maior alegria segundo por segundo do tempo da fila, do semáforo abrir. O
tempo espremido em uma poltrona de avião. O congestionamento na estrada. Os
minutos entre o pedido da conta e o papelzinho em suas mãos. Entre o sinal
tocar e a aula começar. Entre subir no trem e conseguir sentar. Se for horário
de pico, sorte a minha.
Esquece o telefone. Vem para mim.
Aproveitaria cada segundo desperdiçado. De tirar a
tampa da caneta até começar a escrever. Do pão entrar no forno até ele crescer.
Do computador ligar depois do botão acionado. Os comerciais antes do filme do
Darín. Ah, os comerciais, onipresentes, são grandes aliados. Quinze minutos
inteiros de intervalo em uma partida modorrenta de futebol. Os melhores quinze
minutos do jogo, garanto.
Em vez do tédio, eu. Nós.
O tempo em que espera sua companhia do almoço. O
quanto a moça da Claro demora a atendê-lo. Telemarketing, outro aliado! A água esquentando no balde antes do banho
(você não desperdiça água também, não é?). O tanto que você espera a criança na
porta da escola. O tempo do elevador chegar. Do portão abrir. Da caixa do
supermercado passar suas compras. No ponto, até o ônibus parar. O tempo entre
dar o dinheiro e receber o troco. Entre o primeiro resmungo matinal do menino
até ele efetivamente exigir sua presença.
Sua presença.
A minha ambição suprema sempre foi o momento antes
de dormir, logo que você repousa o livro no criado mudo e apaga a luz. Se ao
menos nesse tempo você fosse meu...Você se recusa: “afastaria o sono perfeito”.
Tudo bem, fiquemos mudos. Mas dedique esse tempo só a mim. Eu saberei.
2 comentários:
ler seus textos sempre é tempo bem empregado, Lu. curiosa pra ler as outras duas partes!
Tempo, tempos sociais, temporalidades... múltiplas formas de gerir afetos, inquietudes e aflições... Muito bom, seus textos sempre às voltas com o sentido das expectativas... beijão
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