(crônica nova)
por Luciana Pinsky
Ela ficava no fundo do pátio. Para os olhos dos adultos,
nem muita alta ela era. Para mim, era o mundo. Alguns de nós subíamos, outros
ficavam embaixo, esperando que os de cima balançassem os galhos e as pitangas
vermelhas caíssem. A força no galho tinha de ser precisa: em excesso derrubava
também as frutas ainda laranjas, privando-as, por tão pouco, de chegar ao ápice
do sabor. Eu era da turma dos que subiam, claro.
Foi lá, na escolinha infantil, onde entrei falando
pouco e saí escrevendo bastante, que conheci aquela frutinha azedinha e doce,
com uma forma toda peculiar e a cor tão linda quanto caju maduro. Quase tão
gostosa quanto amora, mas que manchava menos. A amora eu comia em casa mesmo,
em uma árvore que ficava abarrotada duas vezes por ano. Mas isso eu conto outra
hora.
A pitangueira era a aventura, a natureza, o refúgio
possíveis para uma criaturinha de cidade grande. A pitanga era a coleta e nunca
enjoava. Seu gosto, a quilômetros do previsível, me convidava para mais e mais.
As crianças comiam e partiam para empurrar pneu, chutar bola, escorregar. E eu
lá. Sempre lenta. Este ano, depois de
tantos que me separam da pré-escola, me deparo não com uma, mas com um monte de
pitangueiras. Do meu caminho até o parque pela ciclovia passo por ao menos
quatro. Paro, gentilmente puxo o galho repleto para baixo e faço a festa. Depois
de pedalar, reservar dois minutos para colher pitanga a 200 metros de casa tem
um gostinho até transgressor.
Já meu filho prefere
amora. Muito cedo ele aprendeu a reconhecer amoreira pelo formato das folhas, pitangueira
pelo cheiro da folha amassada. E jabuticabeira, cacaueiro, limoeiro, cajueiro,
coqueiro... Nem parece menino de metrópole. Entre tantas delícias, ele se
esbalda é de amora. Sabe como é, no fundo do pátio da escola dele tem uma
amoreira. E o que tem no fundo do pátio da nossa escola é sempre mais gostoso. Será
que daqui a pouco, quando estiver pedalando sozinho pela cidade, ele vai parar
e catar amora no pé? Será que até lá já terá se deixado encantar pelo agridoce
da pitanga? Come pitangas, pequeno, para me dar esperanças.
3 comentários:
Frutinhas que vão sim ficar na memória junto com o afeto.
Sempre, Tamara!
Lindo e emocionante! Já me sinto nostálgica!
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