sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Come pitangas, pequeno


(crônica nova)

por Luciana Pinsky


Ela ficava no fundo do pátio. Para os olhos dos adultos, nem muita alta ela era. Para mim, era o mundo. Alguns de nós subíamos, outros ficavam embaixo, esperando que os de cima balançassem os galhos e as pitangas vermelhas caíssem. A força no galho tinha de ser precisa: em excesso derrubava também as frutas ainda laranjas, privando-as, por tão pouco, de chegar ao ápice do sabor. Eu era da turma dos que subiam, claro.
Foi lá, na escolinha infantil, onde entrei falando pouco e saí escrevendo bastante, que conheci aquela frutinha azedinha e doce, com uma forma toda peculiar e a cor tão linda quanto caju maduro. Quase tão gostosa quanto amora, mas que manchava menos. A amora eu comia em casa mesmo, em uma árvore que ficava abarrotada duas vezes por ano. Mas isso eu conto outra hora.
A pitangueira era a aventura, a natureza, o refúgio possíveis para uma criaturinha de cidade grande. A pitanga era a coleta e nunca enjoava. Seu gosto, a quilômetros do previsível, me convidava para mais e mais. As crianças comiam e partiam para empurrar pneu, chutar bola, escorregar. E eu lá. Sempre lenta.  Este ano, depois de tantos que me separam da pré-escola, me deparo não com uma, mas com um monte de pitangueiras. Do meu caminho até o parque pela ciclovia passo por ao menos quatro. Paro, gentilmente puxo o galho repleto para baixo e faço a festa. Depois de pedalar, reservar dois minutos para colher pitanga a 200 metros de casa tem um gostinho até transgressor.
Já meu filho prefere amora. Muito cedo ele aprendeu a reconhecer amoreira pelo formato das folhas, pitangueira pelo cheiro da folha amassada. E jabuticabeira, cacaueiro, limoeiro, cajueiro, coqueiro... Nem parece menino de metrópole. Entre tantas delícias, ele se esbalda é de amora. Sabe como é, no fundo do pátio da escola dele tem uma amoreira. E o que tem no fundo do pátio da nossa escola é sempre mais gostoso. Será que daqui a pouco, quando estiver pedalando  sozinho pela cidade, ele vai parar e catar amora no pé? Será que até lá já terá se deixado encantar pelo agridoce da pitanga? Come pitangas, pequeno, para me dar esperanças.


(Ilustração: Thomás Camargo Coutinho - http://www.flickr.com/photos/thomastaipa/)

3 comentários:

Tamara disse...

Frutinhas que vão sim ficar na memória junto com o afeto.

luciana disse...

Sempre, Tamara!

Dani Cirico disse...

Lindo e emocionante! Já me sinto nostálgica!