(conto novo)
por Luciana Pinsky
Maria nunca viu o mar. Já viu queda brusca, dor
profunda, montanhas de todos os tipos e tamanhos. Viu trem, ônibus e avião. Elevador
e escada rolante. Ruas, avenidas, estradas. Piscina, lagos e rios também. Mas
nunca, nunquinha colocou seus pés na areia da praia.
Ela já amamentou três filhos, casou a mais velha,
não tarda será avó. Compartilhou a vida com quatro homens. É casada, já foi
solteira, viúva e separada. Mas nunca, nem uma única vez, viu o horizonte
vazando água. A espuma brincando na areia.
Ah, Maria, eu quero estar nos seus olhos quando
eles encararem o mar. Adoraria calçar seus pés quando a areia fina os envolver.
Vestir seu corpo temeroso e ávido da correnteza. Sentir, enfim, o arrepio da
sua pele quando o vento grudar o sal da água em você.
Para mim, ao contrário, o mar veio antes de dor,
montanha, piscina, gente. Nasci do mar, tal como Afrodite. Peixes, tartarugas e
ouriços ouviram meu choro inaugural. Seguem ouvindo. O sal marcou minha pele,
que até hoje se ressente da sua falta.
O mar sou eu. Ele calmo, eu tranquila. Ele onda, eu
energia. Ele frio, eu gelada. Não...
quando eu for, ele ficará. Ele é muito mais. Ele é Raul dormindo no colo da tia
com o balanço suave e morno. Ele é Pedro desafiando-se. Ele é Dora virando
peixe, virando ela, me deixando para trás.
O mar é verbo. Não. O verbo veio depois. Tudo veio
depois. O mar é. Sempre. Ele era, ele foi, ele é, ele será. E eu, quando muito,
sou. Um pouco.
O mar é deus. Não. Até deus veio depois. E só para
alguns.
E você, Maria, inverteu tudo. Como pode existir vida
sem água salgada? Como será a primeira vez no mar? Você se tornará devota? Pulará
ondas para Iemanjá? Ou se perderá no absoluto? Ah, isso é com você.
Mas, sabe, Maria, é
um pouco injusto. Eu nunca terei o mar pela primeira vez. (Ilustração: Thomás Camargo Coutinho - http://www.flickr.com/photos/thomastaipa/)
Um comentário:
Lindo. Tbem queria vestir os olhos e pes de Maria p sentir pela primeira vez.
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